Aqui, assim

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Eu me atraso. Eu me perco. Rodo dentro deste apartamento sem saber o dia, o motivo, sem conseguir esperar o primeiro sintoma, o primeiro movimento, meu ou da morte, a primeira indicação de que alguma coisa não vai bem. Eu me inclino para lá e para cá, infiltrado meu pulmão direito, o esquerdo, escavado. Qual a ordem das moléstias nos pulmões, velho Manuel? No meio do surto, desejo de morrer, medo de morrer, ouvindo sem parar aquela que já foi a minha melhor cantora do mundo, agora vestida num equívoco preto e branco, cantando horrivelmente e, por isso, lindamente, abri um arquivo calhorda (há um arquivo em meu computador chamado W., de Winfred, o nome que dei a você para mantê-lo distante e perto e para sempre e nunca mais, um arquivo cheio dum monte de cousas que não deveria uma boa e velha senhora guardar, além de umas tantas fotos roubadas – ah, sim, roubava suas fotos nas redes sociais, querido, não finja surpresa). Abro o maldito arquivo, lá está você, orelhinhas de gnomo, sorriso, só meu por mais ou menos quarenta e cinco minutos num dia tão longe. Há peste e fome e medo e um completo insano no poder, há o futuro tão incerto, que chega a cada instante, que não chega jamais, as paredes deste velho apartamento, o silêncio, a algazarra, o medo e o destemor, e há você, sua lembrança, o seu não-querer, meu desalento, o frio do estetoscópio, a esperança finda, um dedo de xarope no fundo âmbar. Sussurro trinta e três há tanto, tanto tempo. Um maxixe do velho Resende de Almeida, a única trilha possível.

Nem sei se volto aqui.

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